Editorial
Será apenas gritaria?
Iniciada oficialmente na terça-feira, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST teve em seu primeiro dia de trabalho na Câmara dos Deputados um ambiente que em nada surpreendeu. Durante horas, parlamentares governistas e de oposição, da esquerda e da extrema-direita, protagonizaram triste espetáculo com discursos ofensivos, ataques, acusações e praticamente nenhum tipo de encaminhamento efetivo com relação ao que, em tese, se propõe a fazer o colegiado.
Aliás, este é um ponto importante: a imensa maioria dos brasileiros sequer sabe qual o verdadeiro objetivo da CPI. Mesmo entre aqueles que não evitam acompanhar a política, soa complicada a tarefa de definir, especificamente, o que o grupo no Parlamento apura. Se, por exemplo, a comissão de inquérito sobre as apostas tem como meta investigar suposto esquema de interferência em eventos esportivos e seus resultados, bem como identificar possíveis responsáveis e envolvidos, no caso da CPI do MST a atribuição definida pelo próprio ato da Presidência da Câmara é "investigar a atuação do grupo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), do seu real propósito, assim como dos seus financiadores".
Na prática, a comissão, ao manter esse amplo guarda-chuva aberto sobre tudo o que envolve o MST, tem o intuito justamente de provocar debates como os ocorridos na terça-feira. Mais do que discussões políticas válidas e democráticas _ visto que é legítimo qualquer posicionamento crítico ao MST ou qualquer outra organização e entidade, seja ela vinculada à esquerda ou à direita _, a CPI vai se confirmando como palco para geração de conteúdo hostil e viral para redes sociais e comunidades em aplicativos de mensagens. Tanto que a repercussão maior ao início dos trabalhos não foi sobre que atos são ou não condenáveis e alvos de investigação, ou sobre que pessoas e líderes do Movimento serão chamados a responder perguntas dos deputados. O que ecoou, nas redes dos membros da CPI e também na maioria da imprensa, foram os xingamentos de "marginais", "bandidos" e "terroristas" disparados por oposicionistas a parlamentares próximos ao governo, enquanto, no sentido oposto, estes responderam também com o adjetivo de "marginais" e de "defensores de torturadores". Sobre se o MST age dentro ou fora da lei em suas ocupações/invasões, se tem papel social ou político-partidário, se é instrumento de paz ou conflito no campo _ o que supõe-se como foco do inquérito parlamentar _, praticamente nada foi dito.
CPIs são instrumentos fundamentais da democracia, essenciais para que grupos políticos, muitas vezes minoritários, possam pautar temas e investigações relevantes. Contudo, precisam ser levadas a sério por quem as compõe. Ofensas e gritarias podem até render engajamento nas redes, mas em nada contribuem com o debate público no País. Só reforçam o argumento equivocado de que CPIs não têm utilidade e dão prejuízo aos cofres públicos.
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